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A Advocacia e os fatores de risco para Transtornos Mentais

Transtornos mentais e comportamentais representam 30% dos afastamentos de advogados entre 2012 e 2018, dados trazidos pela matéria “Transtorno mental é a principal causa de afastamento do trabalho” veiculada no jornal Valor Econômico, em 28.10.2019.

Por que advogados sofrem com transtornos mentais?

Nos últimos tempos vemos o aumento de transtornos mentais acontecendo em várias profissões. E não há uma única resposta para entender o motivo, pois, transtornos mentais são gerados por múltiplas causas. As condições de saúde mental estão relacionadas aos seguintes fatores determinantes e condicionantes: 1) hábitos individuais e/ou coletivos; 2) circunstâncias externas; 3) predisposições genéticas ou vulnerabilidades biológicas.
Esses fatores podem ser de risco ou protetivos. Fatores protetivos, como um bom autoconhecimento, família ou amigos que dão suporte, ir ao médico com regularidade, pensar positivamente, fazer psicoterapia e cuidar da saúde física, tendem a aumentar e manter uma boa saúde mental. Já fatores de risco, como ter uma doença crônica, enxergar o mundo com negatividade, se autodepreciar, se isolar das pessoas e não cuidar da saúde física, podem agravar os desafios e o impacto das adversidades, fazendo com que seja mais provável que se desenvolva uma má saúde mental.

Apesar dos múltiplos fatores que influenciam a saúde mental, a Advocacia tem características particulares que contribuem notadamente para problemas de saúde mental. Por experiência própria, no âmbito pessoal, sendo filha e esposa de advogados, e também no profissional, através de atendimento psicológico clinico à advogados, pude notar a repetição de características pessoais e ambientais relacionadas a profissão. Trata-se de uma observação empírica que não pode ser entendida como generalista, porém, com ocorrência bastante comum.

Entre as características pessoais estão:
• Pessimismo: os advogados aprendem durante suas formações, e também no decorrer da sua carreira, a analisar toda situação prevendo os problemas que poderão surgir, ou aqueles já presentes, causando hipervigilância para pontos negativos.
• Perfeccionismo: tendem a despender grande esforço para atingir elevados padrões de comportamento e desempenho, ruminando preocupações com o tempo e eficiência, sentindo que deveriam fazer sempre além do que fizeram.
• Caráter punitivo: talvez esteja ligado ao conceito de Justiça, gerando uma tendência a impaciência, pouca tolerância e tendência à punição àqueles, incluindo a si próprio, que não correspondem às expectativas, padrões ou cumprimento de normas e regras.

Dentre as características ambientais estão:
• Alta expectativa dos clientes e gestores: o advogado deve ganhar e rápido!
• Horas faturáveis: necessidade de desempenhar várias tarefas ao mesmo tempo.
• Prospecção de clientes: além de desenvolver um bom trabalho como advogado, também é necessário ser um bom vendedor.
• Sobrecarga ou subcarga de trabalho: influenciadores diretos para o estresse, ansiedade e falta de motivação.
• Dias prolongados e a exigência da agilidade tecnológica: e-mail, WhatsApp e ligações sem hora para ocorrerem, fazem com que o advogado não “desligue” em suas horas de lazer.
• A crise do cliente: o cliente tem um problema e espera no advogado uma salvação.
• Altos Riscos: o problema do cliente pode envolver grande quantia financeira, a guarda de uma criança, ou a saúde de alguém pode estar dependendo de uma decisão judicial.
• Natureza Competitiva: um dos poucos trabalhos intelectuais no qual o profissional compete contra um colega de profissão.

Tais características pessoais, que podem ser pré-existentes ou incorporadas a personalidade devido a natureza do trabalho, somadas aos estressores ambientais característicos da profissão, aumentam a probabilidade do desenvolvimento de problemas na saúde mental. Ao combinarmos tais condições ao baixo conhecimento sobre saúde mental, a vergonha e preconceito que, muitas vezes, levam à pouca procura de ajuda profissional, entendemos melhor alguns dos motivos para a tamanha taxa de afastamento por transtornos mentais e comportamentais de advogados.

Felizmente a Comissão de Saúde da OAB tem se dedicado com afinco à questão, conscientizando a classe sobre saúde mental e incentivado advogados a cuidar de seu bem-estar mental. Grande feito é pensar no tema não somente com ações isoladas, mas sim na implementação de políticas institucionais. Ações necessárias e positivas que apontam para a direção certa: promoção e proteção da saúde mental, deixando para trás a lógica apenas da recuperação.

Sobre a autora:
Psicóloga Patrícia Karina Klemz Coneglian – CRP 12/12217, responsável técnica da Wellmind Psicologia e Gestão de Pessoas, atua há 7 anos com Saúde Mental e Psicologia Organizacional. Tem o objetivo de conectar pessoas e organizações com bem-estar em mente. É parceira da CAASC, promovendo atendimentos conveniados para advogados e seus dependentes.

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